O Kouksundo, a Superação e a Transformação.
Quando dei os primeiros passos no Kouksundo, não sabia ainda que estava a abrir uma porta para um território sem fronteiras visíveis


Quando dei os primeiros passos no Kouksundo, não sabia ainda que estava a abrir uma porta para um território sem fronteiras visíveis. Hoje sei que estava, na verdade, a iniciar uma viagem de regresso não a um lugar geográfico, mas a um centro que sempre esteve em mim, silencioso, à espera...
O Kouksundo encontrou-me!
A minha história com o Kouksundo começou muito antes de eu perceber que tinha começado. Vivia uma vida como tantas outras, cheia de compromissos, responsabilidades e aquela sensação quase impercetível de que algo estava sempre em falta. O corpo corria atrás do tempo, mas o espírito, esse, parecia caminhar noutra direção. Foi nesse desencontro que surgiu a curiosidade: o que seria esta prática milenar, que falava de respiração, de energia vital, de conexão?
O início foi tímido, quase hesitante. A cada sessão, a respiração profunda abria um pouco mais de espaço dentro de mim, como quem afasta lentamente cortinas pesadas para deixar a luz entrar. Descobri músculos que não sabia ter, e silêncios que não ousava ouvir. No princípio, tudo era novidade as posturas, a linguagem, o ritmo, mas, pouco a pouco, percebi que o Kouksundo não era algo que eu estava a aprender. Era algo que estava a recordar.
O corpo começou a mudar, sim mais forte, mais alinhado, mais desperto. Mas a transformação maior estava no invisível. A ansiedade que tantas vezes me apertava o peito deu lugar a uma serenidade quase teimosa. Os problemas continuavam a existir, mas já não me arrastavam. Passei a sentir o chão sob os pés, mesmo nos dias em que parecia estar a caminhar sobre tempestades.
Em 2017, a semente estava lançada. Não demorou para que a curiosidade se tornasse paixão e a paixão, compromisso. Fiz do Kouksundo não apenas uma prática, mas uma forma de estar. Entre 2019 e 2022, concluí dois cursos de instrutora, no 2º curso fiz a preleção no módulo de Ética e Filosofia, fiz vários seminários, em 2023 e recebi a certificação internacional pela World Kouksundo Federation na Coreia do Sul pelas mãos do Grão-mestre Jin Mok. Atualmente presido a Assembleia Geral na A.P.K.S.D.
O treino tornou-se também um treino de carácter. Havia dias em que o corpo dizia “não” antes de eu sequer estender o tapete. Mas era precisamente nesses dias que a disciplina me puxava. Aprendi que superação não é vencer grandes batalhas de uma vez, mas sim escolher, dia após dia, continuar. É estar presente quando a mente inventa desculpas e o corpo pede repouso. Ainda hoje é assim ninguém nasce motivada. É encontrar, na repetição, não o tédio, mas o refinamento. Durante estes anos aprendi que transformar não é mudar quem somos, mas revelar o que sempre esteve lá. É como polir uma pedra: por fora, parece opaca, mas o brilho está escondido, à espera de paciência e persistência. Como a minha querida professora a Irmã Mabília no colégio me dizia aos seis anos de idade, “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura “a minha professora era sábia sabia que eu ia lá chegar! Ao longo destes anos, percebi que a superação e a transformação não acontecem num momento mágico, mas em camadas, como as estações do ano que regressam sempre, trazendo subtis mudanças à paisagem.
Com o tempo, o impacto espalhou-se para além da prática. A minha alimentação tornou-se mais consciente, não por imposição, mas porque o corpo começou a pedir aquilo que o alimenta de verdade. A minha escrita ganhou outra respiração pausas mais longas, palavras mais enraizadas. Até os meus silêncios mudaram: deixaram de ser um peso e tornaram-se espaço fértil. Ir à origem foi como beber água da nascente: pura, fria, transformadora e esclarecedora. Vi mestres que carregavam décadas de disciplina no olhar e nos gestos. Percebi que, por trás da técnica, havia uma filosofia viva, que cada um acolhe de maneira diferente, um modo de existir que não se explica, pratica-se.
A minha viagem à coreia foi sem dúvida uma prova à minha essência e à minha resistência física, o programa do nosso mestre Jin Mok, foi conseguir que visitássemos o que ele achava mais importante, durante 12 dias andamos de norte a sul estivemos bem perto da fronteira da Coreia do Norte! Visitamos a Golden City, uma cidade cheia de história, the bamboo forest, a Hahoe village in Andong, o Beopjusa,1500-years-old Buddhist Temple. Estes são só alguns locais visitados! Os dias que passamos no Templo foram os mais marcantes pelos rituais sempre alinhados, ages como um monge mesmo no vestir, tivemos que usar as vestimentas apropriadas para não destoar dos demais. Em Busan uma cidade costeira lindíssima conheci pessoas maravilhosas despojadas de qualquer status, simples no estar e no ser, a cidade costeira é maravilhosa, o Mestre Jô Nun o nosso anfitrião uma pessoa extremamente gentil, fez uma cerimónia com um almoço que eu adorei, e ofereceram umas lembranças trouxemos a sua tese de mestrado, “A study of Sundo Life-thought from a Phenomenological Perspective” embora eu ainda não consiga ler tudo, o meu coreano ainda é elementar! Levei um diário para registar tudo, nem tudo ficou registado no papel, mas na memoria está cá tudo. Todos os dias eram um passo na minha própria afirmação de quem sou, aonde quero estar e como quero estar, é uma sensação poderosa sabermos que somos capazes de dizer “não” quando é preciso e ser flexíveis há espaço para tudo. Nesses instantes, percebo que a superação nem sempre se sente como um esforço. Às vezes, é apenas uma quietude firme, um saber que “posso estar aqui” independentemente do que aconteça.
Hoje, olhando para trás, vejo que o Kouksundo não me mudou apenas como praticante. Mudou-me como mulher, como instrutora, como ser humano. Ensinou-me a respeitar o tempo de cada processo o meu, o dos outros, o da vida. Ensinou-me que as respostas mais valiosas chegam quando paro de as procurar.
A superação, para mim, já não é um troféu nem um momento de glória. É acordar numa manhã comum e escolher respirar fundo antes de reagir. É manter-me fiel a quem sou, mesmo quando o mundo pede pressa. É ser capaz de olhar para as dificuldades e, em vez de fugir, perguntar: “O que é que isto me quer ensinar?”
A transformação, por sua vez, não é um destino final, mas uma viagem contínua. Se há algo que aprendi nestes anos é que a verdadeira força não está em resistir sempre, mas em fluir. A sentir a vida como um rio: às vezes tranquilo, outras vezes turbulento, mas sempre em movimento. E, no meio desse fluxo, há uma paz que não depende das circunstâncias.
Hoje, quando ensino, não transmito apenas técnicas ou posturas. Partilho um pedaço desta viagem. (A foto foi tirada numa aula que dei para falar sobre “Respiração-Danjeon”). Convido quem pratica comigo a respirar mais fundo, a estar mais presente, a lembrar que cada inspiração é uma oportunidade de renascer. E, assim, sigo a criar caminho a praticar, ensinar, não para chegar a um ponto final, mas para viver cada instante como se fosse o mais importante. Porque, no fundo, é.
Filomena Fonseca


